Direto do Pleno – 20/04/22: STF julga parcialmente procedente a AP 1044 e condena o deputado federal Daniel Silveira à pena de 8 anos e 9 meses de reclusão

AP  nº1044 (rel. min. Alexandre de Moraes) – Ajuizada pelo Ministério Público Federal. Trata-se de ação penal que visa apurar a ocorrência de crimes tipificados no art. nº 344, do Código Penal (por três vezes), art. nº 23, II (uma vez), e IV (por duas vezes), este último combinado com o art. nº 18, todos da Lei nº 7.170/1983, supostamente praticados pelo deputado federal Daniel Lúcio da Silveira, nos dias 17 de novembro de 2020, 6 de dezembro de 2020 e 15 de fevereiro de 2021.

O Presidente, ministro Luiz Fux, anunciou, a princípio, que a demora do julgamento se deu por conta da necessidade de teste de Covid-19 do advogado da defesa, que não apresentou comprovante de vacina. De acordo com a Resolução nº 767, é necessário que se apresente o comprovante para a entrada no edifício do STF. O Presidente Luiz Fux também rejeitou o impedimento e a suspeição alegados pelo advogado, aceitando a questão de ordem.

A representante do MPF, Dra. Lindôra Araújo, vice-Procuradora-geral da República, sustentou após o relatório do ministro Alexandre de Moraes. A Dra. condenou as condutas de parlamentares que abordam magistrados e os pressionam para agir de determinada maneira em relação às suas competências institucionais. Citou frases do deputado federal nas redes sociais em clara ofensa ao STF, em especial ao ministro Alexandre de Moraes. Entendeu que as condutas do réu, uma série de coações apresentadas pela vice-PGR, preenchem os elementos objetivos do tipo penal, tendo atingido a Justiça como função e instituição. Esclareceu que o pensamento divergente do réu não é o que se discute, mas suas atitudes incitando medidas antidemocráticas. A imunidade parlamentar não é exceção dos deveres e valores do Estado Democrático de Direito. O MPF se manifestou, portanto, pela condenação do réu, com fulcro nos arts. nº 344 e 359, L, do Código Penal, e tendo como fundamento também a pena do art. nº 18 da Lei nº  7.170, em razão do princípio da legalidade.

O Presidente Fux convidou à tribuna, na sequência, o advogado Paulo César Faria, que alegou contradição na fala da vice-PGR, em decorrência de supostas violações ao princípio do devido processo legal durante o trâmite do processo. Recordou que o sistema em vigor no Brasil é o processo penal acusatório, sendo vedadas as iniciativas de juiz, não suportando o sistema inquisitório, que é o que supostamente foi visto na ação penal. Isso seria inconstitucional porque ensejaria um tribunal de exceção. Argumentou que as acusações do réu não passaram de críticas, sujeitas às penalidades dispostas nos artigos do CP que tratam de injúria, calúnia, difamação etc. Entendeu que a tese do relator deve ser afastada, já que o deputado federal não cometeu crimes. Ainda disse que as prisões preventivas do deputado afrontaram o princípio da presunção de inocência, considerando também o pagamento da fiança. A AP nº 1044 é um “marco negativo na história jurídica do Brasil”, de acordo com o advogado da defesa. A acusação, nesse sentido, foi feita sob preceitos subjetivos, invocando indevidamente a Lei de Segurança Nacional. Assim, pediu que o réu seja absolvido de todas as acusações “feitas subjetivamente”, sendo também restituída a fiança paga.

O ministro Alexandre de Moraes, em seguida, foi convidado a se manifestar. O relator, preliminarmente, asseverou que a defesa apresentou uma série de diligências impertinentes em relação ao processo, dizendo respeito a outros inquéritos. Dentro dos requisitos legais, o Ministério Público pode ou não propor o acordo de não persecução penal, e no caso, de forma motivada, o MP deixou de apresentar o acordo, não tendo sido impugnado pela defesa. A questão, portanto, está preclusa. Quanto à imunidade parlamentar, reforçou que a liberdade de expressão, invocada pela defesa, existe para a manifestação de opiniões contrárias, jocosas, sátiras e errôneas, mas não para imputações criminosas e atentados contra o direito e a democracia. Afastou, nessa toada, as impugnações referentes à imunidade parlamentar, estando essa questão preclusa, e à liberdade de expressão.

Ademais, o Ministro afirmou que não há como se confundir abolitio criminis com a sucessão de leis no tempo, que permitem a continuidade normativa típica de uma conduta. Havendo abolitio criminis, há a retroatividade em benefício ao réu, como previsto legalmente. O legislador, nessa lógica, procurou aprimorar a defesa das instituições e de direitos “sob o manto da democracia”, e os ataques antidemocráticos praticados pelo réu se submetem às medidas tomadas em função da defesa da democracia pela Corte Suprema. Não resta dúvida da inexistência da abolitio criminis, uma vez que a revogação de uma lei penal não implica necessariamente a descriminalização de condutas nela tipificadas. Não houve, no caso, descriminalização, mas, sim, “um aprimoramento com a manutenção de elementares, com a mudança de sanções, e, inclusive, com novos tipos penais que não são aplicados nesse momento”. Afastou o argumento da defesa de que as condutas do réu são meras manifestações jocosas, reiterando que se tratam, pelo contrário, de claras ameaças à democracia.

Por fim, o ministro Alexandre de Moraes reconheceu o crime continuado previsto no art. nº 71, CP, comprovadas autoria e materialidade dos delitos, devendo o réu ser condenado nos termos do art. nº 18 da Lei de Segurança Nacional, em razão da ultratividade de lei mais benéfica. Confirmou o teor criminoso das falas apontadas na denúncia, havendo a tipificação do delito de grave ameaça a autoridades que funcionavam no inquérito. Não houve, no entanto, recusa do réu no que concerne às suas falas, não restando dúvidas quanto à consumação do delito. Votou, portanto, no sentido de indeferimento de todas as preliminares apresentadas pela defesa, assim como pela perda de objeto dos dois agravos regimentais previamente interpostos. No mérito, julgou parcialmente procedente a denúncia para: 1) absolver o réu da imputação do art. nº 286, par. ún., CP, considerada a continuidade normativo-típica em relação ao art. nº 23, II, da Lei nº 7.170; 2) condenar o réu como incurso nas penas do art. nº 18, da Lei de Segurança Nacional, por duas vezes na forma do art. nº 71, CP, em virtude da ultratividade da lei penal mais benéfica, e nas penas do art. nº 344, CP, por três vezes na forma do art. nº 71, CP.

No que tange à dosimetria, apontou a acentuada culpabilidade do réu, com fulcro no art. nº 59 do Código Penal, assim como as circunstâncias do crime, praticado no âmbito virtual, e a sua conduta social, desajustada ao meio em que atua, que contam negativamente no cálculo. Os motivos do réu também são acrescidas no cálculo. A pena, diante dos quatro elementos do art. nº 59, estabelece-se acima do mínimo legal. Em seguida, o relator fixou a pena-base em 4 anos e 6 meses para cada um dos crimes, tornando-se definitiva diante da inexistência de atenuantes, agravantes ou causas de aumento e diminuição de pena. Tratando-se de dois crimes, aumenta-se a pena em 1/6, ficando fixada em 5 anos e 3 meses em reclusão.

Quanto à coação no curso do processo, o preceito secundário do tipo penal prevê a pena de 1 a 4 anos de reclusão e multa, e, com base nas circunstâncias, fixou a pena em 3 anos para cada um dos crimes, aumentando-as em 1/6, ficando definida a pena em 3 anos e 6 meses de reclusão. A pena de multa, guardando estrita proporcionalidade, foi fixada em 35 dias/multa, acrescida de 1/6, no valor de 5 salários-mínimos, atualizado até a data do efetivo pagamento. Ao final, a pena foi fixada em 8 anos e 9 meses de reclusão em regime inicial fechado, e 35 dias/multa, fixado em 5 salários-mínimos. Determinou, ainda, a perda do mandato, a suspensão dos direitos políticos do réu enquanto durar o trâmite da ação, o lançamento do nome no rol dos culpados após o trânsito em julgado e a expedição da guia de execução definitiva.

O ministro Luiz Fux passou a palavra ao revisor do acórdão, ministro Nunes Marques, que tratou, inicialmente, da violação ao princípio do devido processo legal. Alegou que não compete ao Poder Judiciário impor ao MP o acordo de não persecução penal, ficando rejeitada essa preliminar. Rejeitou também os indeferimentos sobre pedidos de produção de prova, com fundamento nos argumentos trazidos pelo relator. Asseverou que a cláusula constitucional do art. nº 53 protege não só o parlamentar, mas o próprio parlamento. Julgou improcedente a denúncia nesse sentido, colhendo a preliminar do exercício da liberdade de expressão. Quanto ao mérito, só há que se falar em abolitio criminis quando a nova lei exclui do âmbito de proteção penal fato considerado crime pela lei anterior, de acordo com precedentes do Supremo. Em que pese à gravidade das condutas do réu, não vislumbrou cometimento de crime, julgando improcedente a denúncia nessa lógica. Pedindo vênia, decidiu pela improcedência da denúncia, absolvendo o réu nos termos do art. nº 386, I, II e III, do Código de Processo Penal.

Na ordem de votação, votou o ministro André Mendonça, rejeitando, a priori, o argumento da defesa quanto às diligências requeridas, já que não dizem respeito ao mérito da questão. Sobre a discussão do acordo de não persecução penal, versou que é um poder-dever quando preenchidos os requisitos, mas, pelo próprio contexto da acusação, há impossibilidade jurídica desse tipo de acordo, a partir da descrição fática da imputação do acusado. Rejeitou, assim, essa preliminar. No que concerne a abolitio criminis, registrou que a conduta que estava prevista no art. nº23, IV, c/c art. nº18, da Lei de Segurança Nacional, não encontra mais adequação típica em qualquer norma penal vigente, deixando, assim, de ser criminosa a conduta. Ademais, embora sejam condutas similares aquelas denunciadas, não guardam as mesmas elementares. Entendeu que houve abolitio criminis, mas não há como enquadrar a conduta, embora altamente reprovável, à tipificação penal.

No mérito, o Ministro abriu o tópico da necessária preservação da imunidade no caso concreto. A conduta do parlamentar não pode, nesse sentido, ser sancionada criminalmente, pois não guarda relação à obtenção de benefício próprio e ilícito do acusado. Reconheceu a possibilidade de se enquadrar as condutas no tipo penal do art. nº 344 do CP. Entendeu, assim, pela absolvição do acusado quando do art. nº 286, par. ún., CP, nos termos do voto do relator e do MPF. Dessa forma, julgou parcialmente procedente a denúncia para, nos termos do art. nº 344 c/c art. nº 71, CP, condenar o réu de 2 anos e 4 meses de reclusão em regime inicial aberto, com o pagamento de 130 dias/multa, no valor unitário de 700 reais, totalizando R$ 91.000,00. Absolveu o réu, por outro lado, quando da incitação de animosidade. Condenou, por fim, o réu ao pagamento de custas processuais e, com o trânsito em julgado, decidiu pela expedição de comunicados à Justiça e ao Congresso Nacional.

O ministro Edson Fachin, a título de celeridade, votou na linha do eminente relator, acompanhando-o integralmente quanto à rejeição das preliminares, ao preenchimento das elementares e à condenação proposta pelo ministro Alexandre de Moraes, inclusive em relação ao cálculo da dosimetria da pena.

Consecutivamente, votou o ministro Luís Roberto Barroso, no sentido de que a imunidade parlamentar não é direito absoluto e precisa ser ponderada com outros princípios constitucionais. Não considerou pouco graves as ameaças do réu; pelo contrário, reconheceu a tipificação enquanto crime das condutas impugnadas. Acompanhou integralmente o voto do relator, alegando que o ataque à democracia não é equivalente a exercício do princípio da liberdade de expressão. Reforçou o fato de que foi, sim, respeitado o devido processo legal e, na mesma medida, a ampla defesa.

A vice-presidente, ministra Rosa Weber, votou na ordem, acompanhando o eminente relator. Assinalou, ainda, que rejeitou as preliminares, contudo, julgou parcialmente procedente a pretensão acusatória, para condenar o réu como incurso nas penas do art. nº 18 da Lei nº 7.170/83 por duas vezes, na forma do art. nº 71, caput, do CP; do art. nº 344, do CP, por três vezes; absolvendo-o, no entanto, nos termos do art. nº 386, III, CPP, da acusação do art. nº 286, par. ún., CP. Concordou integralmente com a dosimetria proposta pelo relator.

O ministro Dias Toffoli, por sua vez, reforçou os argumentos a respeito da reprovabilidade das condutas do réu e, enaltecendo a atuação do sistema de justiça, pedindo vênia ao ministro revisor e divergindo em parte do ministro André Mendonça, acompanhou o eminente relator Alexandre de Moraes.

Posteriormente, votou a ministra Cármen Lúcia, compreendendo que, se chegassem às últimas consequências das ameaças e incitações para que se tomassem providências, então o julgamento nem seria possível. Põe-se em causa o Estado Democrático de Direito, sendo que traidor da Constituição é traidor da pátria. Desse modo, a Ministra reiterou que imunidade não significa impunidade, e as condutas do réu são tipificáveis como crimes. Acompanhou integralmente o voto do ministro relator.

Em seguida, manifestou-se o ministro Ricardo Lewandowski, alegando ter chegado às mesmas conclusões do ministro relator, rejeitando as preliminares, reconhecendo a perda do objeto dos agravos regimentais e entendendo pela inexistência de abolitio criminis. Acompanhou integralmente o voto do ministro Alexandre de Moraes.

Votou, então, o ministro Gilmar Mendes, na linha de que devem ser respeitados os limites do exercício da liberdade de expressão. Assim, acompanhou na sua inteireza o voto do ministro relator, inclusive quanto à dosimetria.

Por fim, o Presidente da corte, ministro Luiz Fux, cumprimentando os trabalhos do eminente relator e da PGR, reiterou o argumento de que o deputado pretendeu se dispor de sua imunidade para justificar as suas condutas repudiáveis. Aderiu integralmente ao voto do ministro relator.

Proclamou o Presidente, logo, o resultado de parcial procedência da Ação Penal, vencido o ministro Nunes Marques e parcialmente vencido o ministro André Mendonça, no sentido de condenar o réu nos termos do voto do relator.

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