Os projetos de lei sobre bloqueadores em presídios: acertando o passo

Por Orlando Maia Neto*

Era fevereiro quando, em seu discurso de inauguração do ano legislativo, o Senador Eunício Oliveira (MDB-CE), Presidente do Senado Federal, deu o tom da agenda de 2018: “É imperativo estabelecer um confronto com a violência, com a insegurança pública. E vencê-las!”. Exortando a cooperação federativa, o Senador fez uma verdadeira ode à modernização da administração da Justiça e de todo o aparato de segurança pública do Estado brasileiro.

Decidido a endereçar, concretamente, o tema, e partindo-se da criação de um sistema nacional e unificado de segurança pública, o Senador Eunício pôs-se a elencar uma série de projetos, emergenciais e estruturantes. E lá estava, entre tantas outras medidas e objetivos, a deliberação, em regime de urgência, da instalação obrigatória de bloqueadores de celulares nos presídios.

Dito e feito. Um dia depois, era apresentado o PLS nº 32/2018, pelo próprio Senador Eunício Oliveira. Dois dias depois, em 07 de fevereiro, o Plenário aprovava a matéria.

Inicialmente, o propósito do projeto residia na destinação de recursos do Fundo Penitenciário Nacional (FUNPEN) para as atividades de “instalação, custeio e manutenção do bloqueio de sinais de telecomunicação para telefones celulares, radiotransmissores e outros meios, em estabelecimentos penitenciários e análogos”. Muito bem focado e sucinto, o texto encerrava com a fixação do prazo máximo de cento e oitenta dias (contados da publicação da lei) para instalação dos aparelhos bloqueadores.

Tinha-se, então, uma iniciativa centrada nos meios de efetivação de um dever público. Em rigor, um dever já imposto ao Poder Público desde 2003, nos termos do art. 4º da Lei nº 10.792. Comando que já dispunha no sentido de se equipar os estabelecimentos penitenciários, em especial aqueles destinados ao regime disciplinar diferenciado, com os chamados bloqueadores de telefones celulares, rádio-transmissores e outros meios. Daí porque o PLS nº 32/2018, em sua configuração normativa inicial, operava nos quadrantes jurídicos – e financeiros – do sistema de segurança pública, assim viabilizando o emprego de recursos do FUNPEN para a efetiva instalação e funcionamento dos bloqueadores de sinais.

É bastante clara, nesse sentido, a justificação do projeto: “Para solucionar definitivamente a questão do financiamento dessa política pública, propõe-se que o Fundo Penitenciário Nacional – FUNPEN tenha a obrigação de financiar o bloqueio do funcionamento das redes de telecomunicações dentro dos presídios. Trata-se de obrigação justa e necessária para modernização e aprimoramento do sistema penitenciário nacional, função essa do próprio FUNPEN”. Destaca-se, em seguida, que o FUNPEN “tem recursos disponíveis e que não são integralmente aplicados”, a reforçar a necessidade e adequação da destinação financeira que se propõe.

Todavia, aprovado o regime de urgência da matéria, o Senador Romero Jucá (MDB-RR) propôs, por emenda de Plenário, que o dever de instalação, custeio e manutenção dos bloqueadores seja migrado, progressivamente, para as prestadoras dos “serviços de telecomunicações móveis de interesse coletivo”. Assim é que dispõe o atual art. 4º do projeto, pelo qual fica condicionada a “concessão de novas outorgas” à assunção do referido dever de instalação, custeio e manutenção de bloqueadores de sinais. Para os bloqueadores que venham a ser instalados com recursos do FUNPEN, caberão às prestadoras, a partir da renovação da outorga, o custeio e a manutenção dos bloqueadores.

A aprovação do projeto se deu sob a relatoria da Senadora Simone Tebet (MDB-MS), incluindo-se as emendas. De lá, seguiu à apreciação da Câmara dos Deputados, onde já foi igualmente submetido a regime de urgência.

Aliás, a mesma temática dos bloqueadores de sinal nos estabelecimentos penitenciários foi objeto de deliberação recente da Câmara, com a aprovação do Projeto de Lei nº 3.019/2015 (hoje, em tramitação no Senado). Nesse caso, entretanto, o envolvimento das operadoras e do sistema de telecomunicações é ainda mais intenso, na medida em que: a) o dever inicial de instalação dos bloqueadores, em iguais 180 dias, recai sobre as operadoras – a incluir os consequentes serviços de manutenção, troca e atualização tecnológica dos equipamentos; b) a inobservância desses deveres implica pena de multa, variável entre R$ 50.000,00 e R$ 1.000.000,00, por estabelecimento penal; c) a competência para fiscalizar a instalação e as condições de funcionamento dos equipamentos é atribuída à Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel). No mais, o projeto torna solidárias, quanto às obrigações em causa, as operadoras de serviço móvel pessoal existentes em uma mesma área de cobertura.

Vê-se, portanto, que a tônica do entendimento legislativo quanto à implantação e manutenção de bloqueadores de sinais em presídios tem sido a de imputar às operadoras de telecomunicação o mais focado protagonismo jurídico, operacional e financeiro. Uma fórmula singela e direta.

É de se indagar, porém: elas, as operadoras e a Anatel, detêm (ou deveriam deter) a vocação constitucional para laborarem no campo, igualmente constitucional, da segurança pública? Estão (ou deveriam estar), as operadoras e a Anatel, dotadas do instrumental e dos anteparos jurídicos necessários para exercerem, com desembaraço e proteção, funções que são entranhadamente penitenciárias? Têm (ou deveriam ter) a capacidade operacional adequada para lidar com as ameaças concretas e todo o tipo de hostilidade que impera no ambiente medieval dos presídios nacionais? Do ponto de vista financeiro e regulatório, é justo, eficiente e adequado alocar os custos da concretização do art. 4º da Lei nº 10.792/2003 no setor de telecomunicações, sabendo-se que, em última análise, esses custos poderiam ser suportados pelos usuários? Ou, quando menos, traduziriam severo desestímulo aos agentes de um setor que – no combalido ambiente da infraestrutura brasileira – tem pontificado em termos operacionais e normativos. Ainda regulatoriamente, faz sentido inscrever um dever de bloqueio justamente no rol de atribuições de agentes que têm na continuidade e na universalização dos serviços os seus encarecidos vetores de atuação técnica e jurídica?

Esses questionamentos, naturalmente, não exaurem o tema. Mas servem para ilustrar que uma atribuição obrigacional aparentemente simples, como essa da instalação de aparelhos de bloqueio telecomunicacional, pode envolver, na realidade, arranjos institucionais, setoriais, jurídicos e financeiros tão relevantes quanto complexos.

Com efeito, a realidade, mesma, já deu mostras do desajuste que pode ser causado pela investidura forçada das operadoras de telecomunicação nessa heterodoxa posição de agentes de combate à criminalidade. No Rio Grande do Norte e no Ceará, por exemplo, em meio aos debates sobre as leis estaduais que disciplinavam a matéria (já sepultadas pelo STF sob o fundamento da incompetência legislativa), são rumorosos os casos de ataques e destruição de torres de serviço móvel pessoal. A evidenciar, assim, o grau de violência e ameaça que pode ser canalizado aos trabalhadores do setor, além do distúrbio operacional empírica e potencialmente gerado a toda a população-usuária.

Não é à toa, portanto, que a tramitação dos dois referidos projetos de lei tem unido trabalhadores e empresas, ambos os polos a se manifestarem contrariamente ao modelo concebido no Projeto de Lei nº 3.019/2015 (hoje, no Senado, PLC nº 141/2017) e no PLS nº 32/2018 (hoje, na Câmara, PLP nº 470/2018). Mas uma oposição propositiva, ressalte-se, como se depreende de algumas soluções já apresentadas. É o caso do emprego de recursos (já existentes) do Fundo de Fiscalização de Telecomunicações (Fistel) no lugar do comprometimento do FUNPEN. Ou, então, a contratação de empresas especializadas e adequadamente capacitadas para o bloqueio de sinal, como se dá em outros países e, mais do que isso, conforme já previsto na Resolução Anatel nº 308/2002. São os Usuários de Bloqueador de Sinais de Radiocomunicações (BSR), a serem devidamente cadastrados no Ministério da Justiça (ou, atualizadamente, no recém-criado Ministério da Segurança Pública).

Como se percebe, o bloqueio dos sinais de telecomunicação nos estabelecimentos prisionais tem ocupado, recentemente, a agenda de ambas as Casas do Congresso Nacional. Até o momento, porém, o tratamento do tema se deu à base da urgência e com uma certa dose de reducionismo. A boa notícia é que tanto a Câmara como o Senado têm, nas mãos, novas chances de aportarem à discussão um grau maior de reflexão jurídica, consciência institucional e criatividade propositiva.

*Orlando Maia Neto, sócio de Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia.

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