Por Flávia Maia, Valor — Brasília
Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) retomam nesta sexta-feira o julgamento da ação que discute a validade da lei federal que obriga as distribuidoras de energia elétrica a devolverem aos consumidores os tributos recolhidos a mais por consumidores – de acordo com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), as companhias devem devolver R$ 62 bilhões, e, desses, R$ 43 bilhões já foram pagos por meio de revisão tarifária, ou seja, quase 70%. A depender do que o STF decidir, esses valores poderão ser revistos.
A discussão tem como cenário o julgamento da “tese do século”. A alteração legislativa veio em 2022, após a modulação da decisão que excluiu o ICMS do cálculo do PIS e da Cofins, realizada um ano antes pelo STF. A Lei nº 14.385/2022 obrigou as concessionárias a devolverem aos consumidores o que foi pago a mais de tributos.
A última interrupção do julgamento ocorreu em setembro deste ano por um pedido de vista do ministro Dias Toffoli. Agora, retorna em plenário virtual que vai até o dia 29 deste mês. Até a suspensão, o resultado era desfavorável às distribuidoras de energia elétrica porque existia maioria formada para entender que a lei é constitucional e que a devolução dos tributos aos consumidores é legítima.
No entanto, ainda existem lacunas a serem resolvidas pelos ministros e que alteram a sistemática de devolução dos valores como o tempo de ressarcimento, o início do tempo de contagem e a dedução dos gastos das distribuidoras com as ações judiciais. Esses detalhes do julgamento estão sendo observados de perto pelas empresas, não só do setor elétrico, como de outros segmentos, como o de gás.
Uma das questões que ficou em aberto foi a prescrição — o tempo de ressarcimento a que os contribuintes teriam direito – se ela devia existir ou não e o prazo, de 5 ou 10 anos. A ideia de um prazo prescricional pode diminuir o valor de repasse calculado pela Aneel.
Até então, o ministro Flávio Dino foi o único que se manifestou contra um prazo prescricional. Outros discutiram se seria de 5 ou 10 anos. Se for definida a prescrição, ainda não está claro também a partir de quando ela começaria a contar: da edição da lei, em 2022; do julgamento da “tese do século”; ou do momento do ingresso da ação pelas empresas.
Os ministros deverão levar em consideração que parte do valor já foi devolvida aos consumidores por revisão tarifária. Portanto, se houver prescrição, a agência pode ter que refazer os cálculos. Os ministros também aventaram a possibilidade de as distribuidoras retirarem dos valores a serem repassados aos consumidores os custos judiciais da empresa que ajuizaram as ações questionando a cobrança dos tributos.
O presidente da Frente Nacional dos Consumidores de Energia, Luiz Eduardo Barata, defende que os valores sejam ressarcidos integralmente. “O nosso entendimento é que existe um valor alto que foi pago a mais pelos consumidores e que precisa ser devolvido. Historicamente, os consumidores de energia sempre saem prejudicados e pagam a conta. Está na hora de se fazer Justiça em benefício de quem sempre arcou com os custos do setor elétrico”.
Lucas Fracca, advogado do Instituto de Defesa dos Consumidores (Idec), explica que os consumidores têm direito ao ressarcimento. “Nós esperamos que com o julgamento do STF, independentemente da tese, que a agência e as concessionárias cumpram o que foi determinado sem embaraços, sem que o consumidor necessite de intervenção judicial.”
O diretor de Gás Natural da Abrace Energia, Adrianno Lorenzon, lembra que o julgamento do STF terá impactos em outros setores como o de gás. Cálculos da associação, indicam que os consumidores de gás podem ser ressarcidos em R$ 3,62 bilhões. “A situação varia entre as distribuidoras. Algumas já receberam todos os créditos e teriam condição de restituí-los totalmente aos consumidores”, diz. “São
questões importantes que teremos que enfrentar depois desse julgamento considerando que esse montante é dos consumidores e não das concessionárias”, acrescenta.
O presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Vidro e coordenador do Fórum do Gás, Lucien Belmonte, defende que qualquer prazo de prescrição ou modulação que retenha valores devolvidos pela União em lugar de restituí-los aos consumidores “significa referendar o enriquecimento sem causa de um segmentoempresarial”. Ele defende que a restituição deve ser feita por meio da tarifa, abrangendo todo o período, “o que, inclusive, gera um grande impacto para a redução da inflação no país”.
Histórico do julgamento
O julgamento da ação começou em plenário virtual, em novembro do ano passado, mas foi interrompido por um pedido de vista do ministro Luiz Fux. Em setembro o tema foi novamente colocado em discussão e o ministro Dias Toffoli interrompeu novamente. Agora, a questão volta em plenário virtual.
O relator, Alexandre de Moraes, manteve o voto, contrário ao pleito
das concessionárias de energia elétrica. O magistrado entendeu que a matéria é administrativa e não tributária. Um dos principais argumentos de Moraes é que a lei atacada pela Abradee pretende ajustar uma política tarifária, portanto, cabe ao ente administrativo regular o tema. No caso, a Aneel. Moraes refuta vício formal e a necessidade de lei complementar. Para ele, a questão dos reflexos tributários na política tarifária é intrínseca aos regimes de concessão e permissão de serviço público.
Moraes entendeu que não há ofensa à coisa julgada e pontuou que a lei estabelece que, na distribuição, a Aneel deve levar em consideração a preservação do equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Para Moraes, as empresas “socializaram o prejuízo” com os consumidores do pagamento a mais dos tributos, mas agora não querem compartilhar os ganhos.
Após o voto de Moraes, o ministro Luiz Fux votou no sentido de que era preciso deixar claro a prescrição de 5 anos – o prazo estipulado em lei em matéria tributária. Para ele, mesmo não sendo uma relação tributária entre o consumidor e a concessionária, a empresa só conseguiu reaver os valores pagos a mais por tributos no prazo de cinco anos. “Estamos em uma zona cinzenta. Porque a concessionária está devolvendo ao consumidor final aquilo que ela obtivera na ação de repetição de indébito, que é de cinco anos.”
O ministro Flávio Dino votou por entender que a prescrição não deve existir, mas caso ela ocorra, ele acompanha Moraes, que a prescrição deve ser de 10 anos, conforme prevê o Código Civil.
Votaram pela constitucionalidade da lei os ministros Alexandre de Moraes, Flávio Dino, Cristiano Zanin, André Mendonça, Nunes Marques e Luiz Fux. Votaram pela prescrição de dez anos Moraes, Dino, Zanin e Nunes Marques. Pela prescrição de cinco anos, Fux e Mendonça.
Ainda faltam os votos de Edson Fachin, Cármen Lúcia, Dias Toffoli, Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso
Fonte: Valor Econômico
Processo: ADI 7324
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