Por Danilo Vital, para o ConJur
A cobrança de preço público ou tarifa pela ocupação de bens públicos, como a faixa de domínio, por concessionárias de serviço de energia elétrica é ilegítima.
A conclusão é do Supremo Tribunal Federal, que negou provimento a embargos de divergência em recurso extraordinário sobre o tema. O julgamento, virtual, foi encerrado no último dia 9.
O resultado representa uma reafirmação de uma jurisprudência já consolidada no Supremo, embora o tema ainda gere discussões e distinções no Superior Tribunal de Justiça.
O que está em julgamento
O caso trata de cobrança pelo uso da chamada faixa de domínio, definida como “base física sobre a qual se assenta uma rodovia” — áreas onde as concessionárias de energia elétrica instalam redes de transmissão. Essas faixas são utilizadas para que as empresas de distribuição elétrica evitem desapropriações, o que aumentaria o custo do serviço.
Em 2010, o Supremo decidiu que os municípios não podem cobrar tributos sobre o uso do solo e do espaço aéreo pelas concessionárias de energia para instalação das redes elétricas. Em embargos de declaração, o colegiado depois esclareceu que o tema analisado ficou submetido à constitucionalidade da cobrança de taxa — esta espécie específica de tributo.
O STJ, então, passou a diferenciar as situações em que a cobrança não é feita pelo município, mas diretamente pelas concessionárias que administram as rodovias.
Para a corte superior, a cobrança pelo uso da faixa de domínio nesses casos é possível, porque o artigo 11 da Lei 8.987/1995 permite, na concessão de serviço público, a criação de “outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados”. Ou seja, concluiu que a tese fixada pelo STF não impede que concessionárias de rodovias façam tal exigência pela utilização das faixas de domínio, desde que seja autorizada pelo poder concedente e esteja expressamente prevista no contrato de concessão.
Para as concessionárias de energia elétrica, essa situação fere o Decreto 84.398/1980, que trata do uso das faixas de domínio e fixa, no artigo 2º, a impossibilidade de cobrança para o setor elétrico. Além disso, representa uma incongruência, já que o poder público não pode cobrar por esse uso, mas o STJ autoriza que empresas privadas concessionárias o façam. Isso levaria ao aumento da tarifa da energia para aumentar o lucro da concessionária da rodovia.
Esse é o cerne do voto vencedor apresentado pelo ministro Nunes Marques no julgamento no STF. Para ele, a cobrança pelo uso das faixas de domínio é ilegítima, inclusive, quando autorizada pelo poder público na concessão da rodovia.
Isso porque o Decreto 84.398/1980, que foi recepcionado pela Constituição de 1988, assegura a não onerosidade da ocupação da faixa de domínio para instalação de linhas de transmissão de energia elétrica. Consequentemente, não se aplica o artigo 11 da Lei 8.987/1995.
“É possível que as empresas concessionárias aufiram receitas adicionais, mediante a exploração de atividade secundária, isto é, distinta do objeto principal da concessão, salvo quando no contexto da implantação dos equipamentos das empresas de energia elétrica em faixas de domínio”, disse ele.
Faixas de domínio liberadas
O voto do ministro Nunes Marques foi por conhecer dos embargos de divergência e negar provimento a eles, com base na jurisprudência do STF. Ele divergiu do relator, ministro Alexandre de Moraes, que não conheceu dos embargos, por ausência de divergência na jurisprudência sobre o tema.
Por fim, abriu uma terceira linha o ministro Luís Roberto Barroso, para quem o debate não poderia ser feito no STF, pois tem natureza infraconstitucional: depende de aplicação da Lei 8.987/1995, do Decreto 84.398/1980 e da análise de cláusulas contratuais. Seu voto foi por conhecer dos embargos de divergência e dar provimento, o que manteria a interpretação do STJ sobre a legitimidade da cobrança feita pela concessionária da rodovia, no caso concreto.
“O julgamento de mérito no Plenário reafirma e consolida posição importante: a inconstitucionalidade da cobrança pelo uso das faixas de domínio contra concessionárias de serviço público”, disse Thiago Lóes, gerente jurídico da Associação Brasileira de Distribuidores de Energia Elétrica (Abradee).
Para Orlando Maia Neto, advogado do Ayres Britto Advocacia, escritório que representa a Companhia Jaguari de Energia no caso julgado pelo STF, o resultado reafirma que um bem público de uso comum deve atender a tantas finalidades públicas quantas sejam conciliáveis entre si. “A decisão prestigia a natureza nacional e interligada do setor elétrico e preza pela segurança jurídica, garantindo, nesse aspecto, uniformidade operacional e regulatória para a implantação da infraestrutura de transmissão e de distribuição.”
Como votaram os ministros:
Conheceram dos embargos e negaram provimento: Nunes Marques (voto vencedor), Edson Fachin, Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, André Mendonça e Dias Toffoli;
Não conheceram dos embargos: Alexandre de Moraes (relator), Cristiano Zanin e Flávio Dino;
Conheceram dos embargos e deram provimento: Luís Roberto Barroso e Luiz Fux.
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Fonte: Consultor Jurídico
Processo: RE 1181353
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