Dia Internacional da Mulher: Por que combater a misoginia na internet é tão importante?

Nesse Dia Internacional da Mulher de 2023, chamamos atenção de todos para a seriedade do assunto e convocamos a sociedade para se manter vigilante.

Por Natália Damasceno

Recentemente uma discussão dominou as redes sociais. O perfil de um homem, que se autodenomina coach, chamou a atenção por propagar discurso de ódio contra as mulheres. Ele se diz pertencente aos “red pills”, termo usado por grupos de homens que teriam tomado a pílula da “consciência” – em referência ao filme Matrix – e, por isso, se posicionam contra a um suposto favorecimento às mulheres.

Entretanto, ao contrário de qualquer referência à consciência, em seus vídeos há a monetização de ideias ofensivas, vendidas como “conselhos e autoajuda” para o público masculino que o escuta. Há a difusão de ideias discriminatórias contra as mulheres, a exemplo das seguintes falas que viralizaram nas redes: “seja firme, fale com tom de voz grave, trate-a como uma menina, exerça uma autoridade protetora e comande”; “os homens precisam tomar cuidado com mãe solteiras”; “o propósito do homem ta sempre acima”; mulheres são “mais caras que uma GP [garota de programa]”, e “o cara mais seguro já pode escolher a menina mais jovem, mais gostosa”.1

Conteúdos como esse são misóginos e ajudam a perpetuar a violência de gênero. Para entendermos melhor, a misoginia tem como conceito “ódio ou aversão a mulheres e meninas” e pode se dar de diferentes formas, como através da violência física, psicológica, da humilhação, objetificação sexual e outras formas de discriminação. Esse tipo de discurso está intimamente ligado ao machismo, pois, este último, reforça a ideia deturpada de que os homens são superiores às mulheres.

São pensamentos como esse, porém, que dão vasão ao retrocesso de direitos e de desigualdade de oportunidades que as mulheres vêm lutando para superar. Apenas para se ter como lembrete, o Código Civil de 1916 determinava que a mulher era relativamente incapaz, o que a impedia de realizar qualquer ato da vida civil sem que fosse assistida ou ratificada pelo marido2. Só em 1962 que esse dispositivo foi alterado, porém ainda cabia ao homem ser “o chefe da sociedade conjugal” sendo de sua competência, inclusive, a administração dos bens particulares da mulher3. Mas o que se tem percebido é que, ideias como essa – literalmente do século passado – tem ameaçado bastante espaço na rede.

Nunca é demais destacar que foi apenas com muita luta que o princípio da igualdade foi estabelecido na categoria de direito fundamental na Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso I:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: I – homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição.

A escolha dos constituintes de inserir este como o primeiro direito fundamental, antes mesmo do princípio da legalidade ou da liberdade de expressão, denotou um prenúncio de que a coletividade estava dando passos para o reconhecimento de direitos das mulheres. Hoje, a sociedade possui essa igualdade legal e, agora, o que se busca é igualdade material, ou seja, real e tangível.

É por isso que leis que se voltam a proteger as mulheres são tão importantes, pois ajudam a equilibrar uma dinâmica de gênero que é desequilibrada há séculos, onde mulheres geralmente estão em condições mais vulneráveis ao homem. Para se ter como exemplo, podemos citar a Lei Maria da Penha, que visa atribuir proteção às mulheres no contexto doméstico; a Lei Carolina Dieckmann, que tornou crime a invasão de aparelhos eletrônicos para obtenção de dados particulares; Lei do Feminicídio, que prevê o feminicídio como circunstância qualificadora do crime de homicídio; e Lei do Minuto Seguinte, que oferece garantias a vítimas de violência sexual.4

Ainda que essas iniciativas sejam essenciais para sociedade, ainda há muito que se conquistar, principalmente quando pensamos em mulheres negras. Assim, movimentos feministas têm como objetivo o fim da violência doméstica e de qualquer outra violência de gênero, a garantia de direitos trabalhistas, a garantia do exercício de direitos sexuais e reprodutivos, a paridade de representantes eleitos e de ministros indicados em Tribunais Superiores, entre tantos outros projetos importantes para trazer eficácia a essas conquistas legais.

Mas é por isso que, concomitantemente a todas essas lutas, é estritamente necessário buscar garantir o que as mulheres já conquistaram enfrentando muita resistência e com muito suor. Não à toa Simone de Beauvoir disse ainda em 1949 que “Basta uma crise política, econômica e religiosa para que os direitos das mulheres sejam questionados”. E isso acontece todos os dias, seja nos lares, no exercício profissional, na falta de oportunidades, no descrédito e na falta de suporte pela comunidade e pelo Estado.

Sendo assim, precisamos compreender que a disseminação de conteúdos misóginos no âmbito online está intrinsecamente ligada à manutenção da desigualdade de gênero na nossa sociedade, principalmente considerando o potencial lesivo de replicar essa “ideia” milhões de vezes em pouquíssimo tempo. Daí a necessidade de toda a sociedade combater esse tipo de conteúdo, se mantendo atenta e vigilante para essas questões e denunciando para as próprias plataformas de redes sociais ou para organizações civis.

A SaferNet Brasil, entidade referência nacional no enfrentamento aos crimes e violações aos Direitos Humanos na Internet, é uma plataforma que recebe denúncias de crimes cibernéticos, como intolerância religiosa, racismo, misoginia, exploração sexual infantil, entre outros. Segundo consta em sua plataforma:

“Em 17 anos, a Central de Denúncias recebeu e processou 74.341 denúncias anônimas de Violência ou Discriminação contra Mulheres envolvendo 26.327 páginas (URLs) distintas (das quais 15.809 foram removidas) escritas em 8 idiomas e hospedadas em 2.230 domínios diferentes, de 91 diferentes TLDs e conectados à Internet através de 4.837 números IPs distintos, atribuídos para 44 países em 6 continentes. As denúncias foram registradas pela população através dos 3 hotlines brasileiros que integram a Central Nacional de Denúncias de Crimes Cibernéticos”5

Conforme informa, as redes com mais conteúdos removidos por discriminação contra mulheres são: TikTok com 5.541 remoções e Instagram com 2.144. Dados como esses são importantes para que o Governo e as próprias redes sociais possam, em conjunto, estabelecer medidas de enfrentamento contra discursos de ódio.

E é por isso que, nesse Dia Internacional da Mulher de 2023, chamamos atenção de todos para a seriedade do assunto e convocamos a sociedade para se manter vigilante. Não podemos deixar que grupos como esse ameacem as conquistas das mulheres e tragam de volta para sociedade ideias que signifiquem um retrocesso de direitos. Precisamos, ao revés, da garantia da pluralidade, da igualdade e da não discriminação, verdadeiros pressupostos para uma democracia.

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