Direto do Pleno – 07/04/22: STF dá início ao julgamento de ação sobre a participação da sociedade civil no conselho deliberativo do Fundo Nacional do Meio Ambiente

ADPF 651 (rel. min. Cármen Lúcia) – Ajuizada pela Rede Sustentabilidade. Ação contra o Decreto nº 10.224/2020, que, ao regulamentar a lei que institui o Fundo Nacional do Meio Ambiente (Lei nº 7.797/1989), exclui a participação da sociedade civil do seu conselho deliberativo.

Na sessão de 07.04, após o relatório pela ministra Cármen Lúcia, o Presidente Luiz Fux chamou à tribuna o Dr. Luís Carlos Jr., representante da Rede Sustentabilidade. Entendeu que os problemas socioambientais são complexos demais para serem resolvidos em julgamento de processos, mas destacou o condão do STF de orientar os demais órgãos quanto ao modo de agir. Acreditou que, a partir das ações, pode haver um reforço do pacto intergeracional de proteção ao meio ambiente, podendo ser considerado um dos pilares da democracia. Os decretos impugnados representam evidente erosão democrática, um constitucionalismo abusivo. Com a ADPF, pretende-se impor ao Poder Executivo a observação obrigatória da Constituição.

Em seguida, manifestou-se a Advocacia-Geral da União (AGU), Bruno Bianco, asseverando que o legislador ordinário estabelece balizas que devem ser observadas pelo conselho deliberativo, correspondentes a parâmetros razoáveis de representatividade e legitimidade, para que destinações de recursos públicos sejam feitas. Citou os parâmetros legais: i) uso racional e sustentável de recursos naturais; ii) revisões periódicas dos programas, submetidos à Política Nacional de Meio Ambiente; iii) aplicação de recursos feita através de entidades federais, estaduais, municipais e privadas, que tenham os objetivos alinhados com os do Fundo Nacional do Meio Ambiente (FNMA); e iv) priorização de projetos de pesquisa nas áreas educacionais, ambientais, recuperação de áreas degradadas, Amazônia Legal etc. Não há que se falar, portanto, em suposta omissão em relação à proteção do meio ambiente ecologicamente equilibrado. Concluiu pela improcedência total dos pedidos formulados.

Manifestou-se, após amicus curiae, o PGR Augusto Aras, no sentido de que a alteração na forma de composição do conselho deliberativo não encontra restrição ou imposição constitucional legal, não podendo ser congelada a partir da simples inovação do princípio de proibição ao retrocesso. Afastou a alegação de violação ao pacto federativo. É da competência privativa do Presidente da República, mediante decreto, dispor sobre organização e funcionamento da Administração Pública Federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicas. A Lei que criou o FNMA, não impugnada na presente ação, não se dirige à imposição de exigências atinentes à composição do conselho deliberativo, tampouco faz a CF. A composição da representação dos colegiados do fundo foi entregue e confiada à competência do Poder Executivo. Manifestou-se pela improcedência da ADPF.

Na sequência, a relatora, ministra Cármen Lúcia, passou a proferir seu voto. Sugeriu aditamento da inicial, ressaltando que seu voto em nada se altera se o colegiado concluir no sentido do contingenciamento do objeto apenas ao Decreto nº 10.224, referente ao pacto federativo e a participação popular. Quanto ao cabimento da ADPF, a Ministra adotou como fundamento o recebimento do processo como ADI, em vez de ADPF, porquanto há confronto em relação a dispositivo constitucional. Recebeu, portanto, a ação como ADI, atendidos os requisitos, inclusive o da subsidiariedade. Propôs a conversão do julgamento de cautelar para o de mérito. Afirmou que democracia como está posta na CF não é acanhada nem formal, e a carta constitucional prevê a participação popular na pauta ambiental, de necessário cumprimento para que se tenha o acesso e recebimento de recursos.

Contudo, essa participação vem sendo reduzida por conta do governo e, no caso específico dos decretos impugnados, tratando de matéria de meio ambiente, isso é claro, como se extrai das normas constitucionais. Entendeu, assim, que é dever estatal assegurar o direito fundamental do meio ambiente, conjugado com o da participação popular, contra a proibição de retrocesso de forma geral. A reestruturação de órgãos ambientais pelos decretos impugnados é um empecilho à participação popular e à própria vigilância da sociedade civil. Nessa toada, recebeu o aditamento, além de receber a ação como ADI e tratar do Decreto nº 10.224, mantendo-se inalterado seu voto independentemente da decisão do colegiado quanto ao aditamento, e julgou procedente a ação.

O ministro Ricardo Lewandowski, pela ordem, solicitou o proferimento de seu voto de forma sintética, por conta de compromisso institucional na segunda metade da sessão. Adiantou que concordou inteiramente com o voto da ministra Cármen Lúcia. Recebeu a ação como ADI e acolheu o aditamento da inicial, como sugerido pela relatora, acompanhando, portanto, o voto da eminente relatora e julgando procedente a ação.

O ministro André Mendonça, por sua vez, divergiu quanto ao aditamento, já que não se mostra viável devido à ordem processual do caso, que traz pedido independente, havendo também inadequação, porquanto um dos pedidos se trata do fundo Amazônia.

A ministra Cármen Lúcia pediu aparte para esclarecer que o aditamento se deve ao fato de que o pedido inicial restringiu o objeto ao questionamento da validade constitucional do Decreto nº 10.224, e, quanto à superação do objeto, mantém-se a fundamentação de seu voto.

No que tange ao mérito, o ministro André Mendonça acompanhou parcialmente o voto da relatora, ressaltando apenas que, em 2019, foi editada lei que já tratava do conselho deliberativo do FNMA. A participação da sociedade civil não deve ser excluída, mas regularizada pela Administração Pública, a partir de sua discricionariedade. Entendeu ainda que essa participação deve primar pela eficiência, não podendo inibir a própria realização de políticas. Julgou a ação parcialmente procedente, com efeitos ex nunc quanto à inconstitucionalidade do decreto, devido ao risco de prejudicar atos que tenham sido praticados na defesa da própria Política do Meio Ambiente, conhecendo da ação não como ADI, tal qual sugerido pela relatora, mas como ADPF. No tocante ao julgamento tão somente do Decreto nº 10.224, o Ministro votou totalmente procedente.

Consecutivamente, votou o ministro Alexandre de Moraes, entendeu cabível a aplicação do princípio de proibição ao retrocesso, mantendo-se a efetivação da proteção global do meio ambiente a partir da participação da sociedade civil, retirada pelo decreto concernente ao FNMA. A forma pela qual se dá essa participação é da competência do Poder Executivo Federal, mas há, de fato, a necessidade da participação popular. Com essas considerações, o ministro Alexandre de Moraes acompanhou integralmente o voto da relatora.

O ministro Nunes Marques, que tinha cedido a vez ao ministro Alexandre de Moraes, recebeu a palavra e votou no sentido de não aceitar o pedido de aditamento, para abarcar os demais decretos, porque a matéria não é idêntica quanto aos conselhos. A matéria aditada tem relação tanto com a ADO nº 59 quanto com a ADPF nº 760, e o aditamento não deve ser acolhido em razão de litispendência. Preocupou-se ainda se a AGU e a PGR foram intimadas a se manifestar, pois, caso contrário, há violação ao contraditório e ao devido processo legal. Entendeu ainda que, se o tribunal não conhecer do aditamento, não há prejuízo, pois os pedidos constam das duas ações, tendo de ser apreciados da mesma forma.

No que concerne ao mérito, o ministro Nunes Marques compreendeu que se trata de opção política legítima a disposição do Poder Executivo sobre a formação de conselhos deliberativos, sendo o abuso de poder, caso houvesse, tão somente no âmbito infralegal. Por outro lado, considerando o decreto com a autonomia de ato paralegal, então a ação cabível seria ADI, não a ADPF. Reforçou que não há hierarquia entre decretos. Não há obrigação constitucional em relação à participação popular no conselho deliberativo do FNMA, sem forma definida pela lei, cabendo ao Presidente da República a sua estruturação. A aplicação do princípio de proibição do retrocesso deve se reservar a questões de grande alcance, coisa não aferida nos autos. A imposição de participação popular na deliberação de conselhos parece inviável e em desrespeito à discricionariedade, inclusive de futuros governos. Com a devida vênia, versou que não há base constitucional para os pedidos. Não conheceu da ação e a julgou, dessa forma, improcedente.

A ministra Cármen Lúcia, por outro lado, esclareceu que a competência do Presidente da República não está sendo afastada, mas se determina apenas que o princípio constitucional da participação popular em matéria ambiental não possa ser desfeito por ato do Poder Executivo Federal, como foi averiguado no caso concreto. Não está se criando, portanto, precedente que limita a atuação discricionária do Presidente da República, mas no sentido de que a atuação estatal se dê em congruência com os princípios constitucionais.

A sessão foi encerrada em seguida, e o julgamento terá continuidade na próxima sessão, após o primeiro processo da pauta do dia 20 de abril.

 

 

 

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