Exploração da atividade econômica por Estados-membros e Municípios – Ayres Britto

Carlos Ayres Britto

Ante a sistemática da Lei Maior de 1969, podem os Estados-membros e os Municípios explorar atividade materialmente econômica? Noutro falar: podem os Estados e Municípios brasileiros, por ato próprio, organizar-se empresarialmente para atuar no mercado como agentes econômicos, gerenciamento atividades não-constitutivas de serviços públicos?

Sobre o assunto, nosso ponto de vista pessoal não coincide com o daqueles eminentes publicistas que se manifestam pela inconstitucionalidade da exploração direta, a nível de Estados Federados e unidades municipais em franco regime de concorrência com as empresas do setor privado. Isto é, pensamos que além da prestação factual dos serviços públicos de sua competência originária, ou cujo exercício lhes seja concedido pela União materialmente econômica. Para tanto, basta que o ramo de negócio não esteja submetido a regime de monopólio da União e que, sobremais, sua exploração se contenha no âmbito da ação suplementar da iniciativa particular (art. 170, § 1º, da Carta Constitucional em vigor).

As premissas que embasam nosso opinamento são as seguintes:

a) ao cuidar da intervenção governamental no domínio econômico e da monopolização de determinada indústria ou atividade, a Carta de 1969 fez expressa remissão à lei federal, no caput do art. 163, e à pessoa política da União, no único parágrafo desse artigo. Donde se concluir que somente à União compete o exercício do monopólio e a deflagração originária de medidas interventivas nos assuntos de economia doméstica das empresas particulares (referimo-nos à deflagração “originária”, porque, em matéria de produção e consumo, os Estados-membros têm competência legiferante supletiva, a teor do parágrafo único do art. 8º);

b) no art. 170, porém, ao tratar da organização e exploração direta da atividade econômica, em caráter suplementar da iniciativa privada, o Texto Básico já não se reporta nem à União nem à lei federal, mas, simplesmente, ao Estado. Isto, diga-se, em duas sucessivas oportunidades, tanto no § 1º quanto no § 2º daquele artigo;

c) por fim, na sistemática da Lei Magna, principalmente nos títulos III e IV, sempre que se deseja excluir a participação ou competência dos Estados e Municípios, faz-se direta referência à pessoa mesma da União, ou, então, à lei federal. De revés, quando se quer referir a qualquer uma das pessoas políticas de base territorial, indistintamente, que faz o Código Político? Usa a locução “poder público”, ou a palavra genérica Estado. Na primeira hipótese, prestam-se a exemplo os arts. 161 (desapropriação de imóveis rurais), 164 (estabelecimento de regiões metropolitanas), 165, itens XVI e XVIII (previdência social e colônias de férias, clínicas de repouso, recuperação e convalescença do trabalhador), art. 169 (monopólio da lavra e pesquisa de petróleo). Já no segundo caso, abrangente de todos os “níveis de governo”[1], servem de exemplo os §§ 1º e 2º do art. 170 (sobre organização e exploração direta de cometimentos econômicos), o art. 176 caput (a educação como direito de todos e dever do Estado) e o art. 180 (em que se volta a falar de Estado, na assunção do dever de amparo à cultura).

Isto posto, entendemos que os Estados-membros da Federação e seus municípios também dispõem de qualificação subjetiva para atuar, como empresários, no jogo das forças produtivas, combinando capital, natureza e mão-de-obra, tanto para a extração ou produção de bens, quanto para a oferta de serviços.

Este modo de enxergar o problema, além do seu merecimento de ordem técnica (dado que resultante de interpretação sistemática do Texto Magno), tem um efeito político de grande monta: empresta forças à nobre causa do federalismo, já de si tão enfraquecido pela imoderada centralização da Carta em vigor. Ainda mais, concilia o direito com os fatos da vida, com a materialidade dos comportamentos rotineiros do Poder Publico, porque a verdade é que Estados e Municípios já vêm, de há muito, protagonizando ações econômicas variadas, utilizando-se, à larga, de suas empresas públicas e sociedades de mista economia.

 

Publicado na Revista de Direito Público

Ano XVII – nº 70 – Abril/Junho de 1984

[1] “níveis de governo”, aqui, não tem conotação hierárquica.

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