Saul Tourinho Leal e Cristiane Guedes*
Interessante questão chegou ao Supremo Tribunal Federal. A Associação Brasileira de Empresas de Vendas Diretas (ABEVD) ajuizou a Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6042 questionando a Lei 6.200/2018 do Distrito Federal, que instituiu o Selo Multinível Legal. O relator é o ministro Luiz Fux.
O objetivo do selo, instituído no art. 1º da lei, é premiar as empresas do setor privado instaladas ou que operem no território do Distrito Federal que comprovem a comercialização de serviços ou produtos por meio de venda direta com plano de remuneração de distribuidores independentes através da formação de rede multinível. O art. 4º explicita que o selo é concedido às empresas que comprovem não terem participado de sistema de pirâmide financeira.
Segundo a autora da ADI, a lei distrital, sob a roupagem de premiação, cria, na verdade, uma certificação para as sociedades empresárias que atuam em segmento econômico específico. Independentemente da necessidade de rechaçar os esquemas de pirâmides, a questão residiria na competência para regular o assunto e para fiscalizar as atividades financeiras.
A ABEVD sustenta que a Constituição Federal prevê competência privativa da União legislar sobre direito comercial e empresarial (art. 22, I) e sobre sistemas de poupança, captação e garantia da poupança popular (art. 22, XIX), além de prever sua competência exclusiva para fiscalizar as operações de natureza financeira (art. 21, VIII). Também aponta ofensa aos princípios constitucionais da proporcionalidade, da livre iniciativa e da livre concorrência.
A associação pede a concessão de liminar para suspender a eficácia da lei do Distrito Federal e, no mérito, a declaração de sua inconstitucionalidade.
Segundo a ABEVD, durante a tramitação do Projeto de Lei nº 1.739/2017, que deu origem à Lei Distrital nº 6.200/2018, não foram demonstradas a necessidade e a adequação da instituição da certificação proposta, bem como não foram analisados os impactos futuros sobre o mercado. Foi alegado, durante o processo legislativo, que tal proposição contribuiria para o crescimento das empresas de venda direta, sem se comprovar tal prognose.
Para a ABEVD, caso o STF decida pela legitimidade do DF em legislar sobre o assunto, abre-se o precedente para que outras unidades federativas atuem de tal forma, tornando extremamente complexa a vida das empresas que passariam, então, a ter de buscar certificações estaduais adicionais para se tornarem competitivas em seus mercados. No caso concreto, há, inclusive, uma autorregulação das empresas de vendas, por meio do Código de Ética da ABEVD.
O caso envolve interessantes questões sobre prognoses legislativas, competência constitucional e livre iniciativa. Será a oportunidade de o STF, na linha da jurisprudência que já vem construindo, densifique, entre nós, o compromisso constitucional com a liberdade, que, antes de qualquer coisa, deve prevalecer nas relações privadas, notadamente naquelas afetas às atividades empresariais.
*São, respectivamente, doutor em Direito Constitucional pela PUC/SP e acadêmica de direito do IDP. Integram Ayres Britto Consultoria Jurídica e Advocacia, como advogado e estagiária, respectivamente.