O Direito à Isenção de imposto de renda a pacientes com doença de Alzheimer e o estado atual da jurisprudência

Após anos de consolidação da jurisprudência, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e vários outros tribunais firmaram o direito à isenção tributária a esse público, mas é importante observar alguns requisitos para garantir essa prerrogativa.

Por Cairo Trevia Chagas e Raphael Franco Castelo Branco Carvalho

Já há muito, nota-se a existência de muitos litígios sobre o direito à isenção de Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) que, de outra sorte, incidiria sobre os proventos de aposentadoria ou reforma das pessoas físicas acometidas da Doença de Alzheimer. Essa isenção tem como fundamento legal o artigo 6º, XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988, vigente sob os seguintes termos:

“Art. 6º Ficam isentos do imposto de renda os seguintes rendimentos percebidos por pessoas físicas:

(…)

XIV – os proventos de aposentadoria ou reforma motivada por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, hepatopatia grave, estados avançados da doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome da imunodeficiência adquirida, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma;”

Esse dispositivo legal outorga, então, às pessoas físicas agravadas por qualquer das enfermidades listadas, o direito subjetivo à isenção tributária do IRPF. Trata-se de um benefício tributário que objetiva promover a dignidade da pessoa humana, realizando valores constitucionais importantes por meio da preservação de um mínimo existencial dessas pessoas. É natural que pacientes com essas condições, que quase sempre são idosos, tenham custos mais elevados com medicamentos, contratação de profissionais cuidadores, dentre outros. O Estado, então, em atendimento aos princípios constitucionais, promove uma melhora no poder de compra e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida para essas pessoas, por meio da desoneração dos custos tributários.

Nesse sentido, é pertinente lembrar que o advento da Constituição Federal de 1988 representou um marco político-jurídico na tutela de direitos do segmento de pessoas idosas, na medida em que estabeleceu, por meio do artigo 230, à sociedade, à família e ao Estado a responsabilidade solidária pela proteção integral a pessoas com mais de 60 (sessenta) anos. Com efeito, posterior à promulgação de tal dispositivo, o Ordenamento Brasileiro passou a instituir farta legislação tratando acerca de condições específicas para este público, culminando, inclusive, na aprovação do Estatuto da Pessoa Idosa – Lei Federal nº 10.741/2003, bem como, no plano internacional, veio a assumir compromissos sobre direitos humanos, em especial de prestigiar trato específico e equânime a pessoas idosas.

Não obstante a formação de todo esse arcabouço de amparo, nota-se que a Doença de Alzheimer não consta expressamente no rol de enfermidades do artigo 6º, inciso XIV da Lei Federal nº 7.713/1988. Nesse contexto, o Judiciário passou a receber uma infinidade de demandas sobre o enquadramento do Alzheimer no item “alienação mental”, este sim que está, expressamente, no texto legal.

Um primeiro evento importante na evolução jurisprudencial para resolver essa disputa foi o julgamento, pela 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), do Recurso Especial nº 1.116.620/BA, afetado sob o regime de recursos repetitivos. Nesse precedente, de 2010 (dois mil e dez), a Corte Superior estabeleceu que o rol de doenças desse artigo 6º, inciso XIV, é taxativo. Em outros termos, o STJ decidiu, por unanimidade e com efeitos vinculantes, que a isenção não poderia ser outorgada a portadores de doenças que não constam ali. Proibiu-se, inclusive, interpretações analógicas e ostensivas. A Decisão se mostrou acertada, pois é a mais adequada aos artigos 97, inciso VI, e 111, inciso II, da Lei Federal nº 5.172/1966, o Código Tributário Nacional (CTN), e ao brocardo “expressio unius est exclusio alterius” (a inclusão expressa de determinadas espécies de um gênero exclui as demais sobre as quais houve omissão), além de reduzir a quantidade de litígios demandando pela inserção infinita de doenças na lista.

Apesar disso, persistiu a tese dos pacientes portadores de Alzheimer, considerando que, segundo seus proponentes, ela não depende da inclusão de itens na lista, mas da mera interpretação literal de “alienação mental”. Esse argumento faz sentido, pois “alienação mental” não é uma enfermidade específica, categorizada na Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde (CID). Trata-se, portanto, de um efeito, uma consequência dessas doenças, 

 “Art. 97. Somente a lei pode estabelecer:

(…)

VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.”

 

 “Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre:

(…)

II – outorga de isenção;”

Mas nem por isso pode deixar de ser um fato jurígeno da isenção, pois, do contrário, tornar-se-ia o texto sem efeito, em contrariedade ao cânone hermenêutico “verba cum effectu, sunt accipienda” (não se presumem, na lei, palavras inúteis).

Com base nessas razões, os tribunais passaram a acolher essa tese, não sem alguma controvérsia. Ao longo do tempo, porém, houve uma estabilização da orientação jurisprudencial favorável aos contribuintes com Doença de Alzheimer. Muitos exemplos podem ser citados para demonstrar essa proposição. No STJ, apresenta-se, da 1ª Turma, o Acórdão do Recurso Especial nº 1.469.825/RS, de relatoria do Ministro Gurgel de Faria, enquanto, na 2ª Turma, são bons exemplos os julgamentos do Recurso Especial nº 1.596.045/MG, de relatoria do Ministro Herman Benjamin e do Recurso Especial nº 800.543/PE, de relatoria do Ministro Francisco Falcão.

Nas instâncias inferiores, também se constata essa prevalência. No Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1), são recentes os julgamentos das apelações cíveis nº 1010195-12.2021.4.01.3400; 1011626-23.2017.4.01.3400; e 1007684-46.2018.4.01.3400. No Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), alguns precedentes favoráveis são o da Apelação Cível/Reexame Necessário nº 0001926-53.2014.4.02.5102; e o da Apelação Cível 0129328-18.2017.4.02.5101. No Tribunal

 3 Na doutrina de Carlos Maximiliano: “307 – Verba cum effectu, sunt accipienda: ‘Não se presumem, na lei, palavras inúteis.’ Literalmente: ‘devem-se compreender as palavras como tendo alguma eficácia.’

As expressões do Direito interpretam-se de modo que não resultem frases sem significação real, vocábulos supérfluos, ociosos, inúteis.

Pode uma palavra ter mais de um sentido e ser apurado o adaptável à espécie, por meio do exame do contexto ou por outro processo; porém a verdade é que sempre se deve atribuir a cada uma a sua razão de ser, o seu papel, o seu significado, a sua contribuição para precisar o alcance da regra positiva.”

4 STJ, REsp nº 1.469.825/RS; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Min. Gurgel de Faria; Julgado em: 10/04/2018.

5 STJ, REsp nº 1.596.045/MG; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator: Min. Herman Benjamin; Julgado em: 19/05/2016.

6 STJ, REsp nº 800.543/PE; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator: Min. Francisco Falcão. Julgado em: 16/03/2006.

7 TRF-1, APC nº 1011626-23.2017.4.01.3400; Órgão Julgador: 8ª Turma; Relator: Des. Fed. Marcos Augusto de Sousa; Julgado em: 21/06/2021.

8 TRF-1, Processo nº 1007684-46.2018.4.01.3400; Órgão Julgador: Relator: 8ª Turma; Des. Fed. Novély Vilanova; Julgado em: 30/11/2020.

9 TRF-2, APC/Reex nº 0001926-53.2014.4.02.5102; Órgão Julgador: 3ª Turma Especializada; Relator: Des. Fed. Theophilo Antonio Miguel Filho; Julgado em: 23/10/2018.

10 TRF-2, APC nº 0129328-18.2017.4.02.5101; Órgão Julgador: 3ª Turma Especializada; Relator: Des. Fed. Marcus Abraham; Julgado em: 07/08/2018.

Regional Federal da 3ª Região (TRF-3), são representativos dessa posição favorável o julgamento da Remessa Necessária Cível nº 0000047-11.2013.4.03.6139 e o da Apelação Cível nº 5001938-33.2018.4.03.6130, de ambas as turmas competentes sobre a matéria. No Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), indica-se nesse sentido os precedentes das Apelações Cíveis nº 5095789-65.2019.4.04.7100/RS; e 5062610-57.2016.4.04.7000/PR. Por fim, no Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5), destacam-se a Apelação/Remessa Necessária nº 0811634-12.2020.4.05.8300; e a Remessa Necessária nº 0807836-41.2018.4.05.8000. No âmbito local, destaca-se a jurisprudência, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), de onde provém o Acórdão nº 1164311.

Constata-se, então, uma jurisprudência dominante em todos os tribunais federais, onde geralmente se julgam esses litígios e, até, em algumas cortes locais. Em exame um pouco mais aprofundado desses precedentes, constata-se, porém, que a jurisprudência, conquanto favorável, impõe ainda algumas exigências para deferir o direito à isenção tributária, cuidados sem os quais pode haver prejuízo ao direito dos contribuintes. Alguns julgados específicos e características comuns entre eles, nesse sentido, merecem ulterior comentário.

11 TRF-3, APC nº 0000047-11.2013.4.03.6139; Órgão Julgador: 4ª Turma; Relator: Des. Fed. André Nabarrete (Juiz Conv. Marcelo Guerra); Julgado em: 10/02/2022.

12 TRF-3, APC nº 5001938-33.2018.4.03.6130; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Des. Fed. Luis Carlos Hiroki Muta; Julgado em: 07/05/2021.

13 TRF-4, APC nº 5095789-65.2019.4.04.7100/RS; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Des. Fed. Francisco Donizete Gomes; Julgado em: 18/06/2021.

14 TRF-4, APC nº 5062610-57.2016.4.04.7000/PR; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Des. Fed. Alexandre Rossato da Silva Ávila; Julgado em: 24/04/2019.

15 TRF-5, APC/REex nº 0811634-12.2020.4.05.8300; Órgão Julgador: 3ª Turma; Relator: Des. Fed. Cid Marconi Gurgel de Souza; Julgado em: 10/06/2021.

16 TRF-5, REex nº 0807836-41.2018.4.05.8000; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Des. Fed. Alexandre Luna Freire; Julgado em: 28/01/2021.

17 TJDFT, APC nº 0708366-68.2017.8.07.0018; Órgão Julgador: 8ª Turma Cível; Relator: Des. Eustáquio de Castro; Julgado em: 03/04/2019.

Por exemplo, no julgamento da Apelação Cível nº 0161301-88.2017.4.02.5101 pelo TRF-2, condiciona-se o deferimento da isenção à comprovação da própria alienação mental em si. Segundo o Voto do Relator, Desembargador Federal Ferreira Neves, seguido pela Turma por unanimidade, “os documentos não constituem provas robustas de que a paciente era portadora de alienação mental pela doença de Alzheimer, desde 2003, pois é alienação mental em razão da demência progressiva, não o diagnóstico de Alzheimer, que autoriza a isenção. A evolução dessa doença, é sabido, demora muitos anos até chegar à demência terminal”. Conquanto essa posição não seja, de modo algum, pacífica, a advertência a ser extraída desse precedente é que, caso já esteja configurado o quadro de alienação mental, ele deve constar no laudo médico respectivo, e não apenas o diagnóstico de Alzheimer em si. Tal é importante para evitar questionamentos de que o efeito da alienação mental não estaria presente, mas apenas a sua causa (Alzheimer), que ainda pode não ter gerado esse infortúnio no paciente específico.

Por outro lado, nota-se uma aplicação bastante consolidada pelos tribunais da Súmula nº 598/STJ e da Súmula nº 627/STJ, ambos precedentes obrigatórios do STJ, na forma do artigo 927, IV, da Lei Federal nº 13.105/2015, o Código de Processo Civil (CPC/2015). O primeiro desses enunciados prescreve a desnecessidade de laudo médico oficial para o reconhecimento da doença grave, desde que sejam providos outros meios de prova para lastrear a cognição judicial. A segunda súmula afasta as exigências de contemporaneidade dos sintomas ou recidiva da enfermidade. Estas são objeções muito comuns nas contendas sobre essa forma de isenção do Imposto de Renda, não apenas para os pacientes de Alzheimer, mas em vários processos do gênero. Há, porém, posição contrária da jurisprudência em favor dos contribuintes.

18 TRF-2, APC nº 0161301-88.2017.4.02.5101; Órgão Julgador: 4ª Turma Especializada; Relator: Des. Fed. Ferreira Neves; Julgado em: 01/03/2021.

19 “É desnecessária a apresentação de laudo médico oficial para o reconhecimento judicial da isenção do imposto de renda, desde que o magistrado entenda suficientemente demonstrada a doença grave por outros meios de prova”

20 “O contribuinte faz jus à concessão ou à manutenção da isenção do imposto de renda, não se lhe exigindo a demonstração da contemporaneidade dos sintomas da doença nem da recidiva da enfermidade.”

21 “Art. 927. Os juízes e os tribunais observarão:

(…)

IV – os enunciados das súmulas do Supremo Tribunal Federal em matéria constitucional e do Superior Tribunal de Justiça em matéria infraconstitucional;”

Outra questão preliminar frequentemente alegada pela Fazenda Pública nesses litígios é a necessidade de requerimento administrativo prévio para configurar o interesse de agir necessário ao ajuizamento da ação. Nesse sentido, embora em muitos casos seja mais conveniente provocar a via administrativa primeiro, evitando um processo judicial longo, caro e burocrático, a jurisprudência dominante também rejeita a objeção dos entes públicos.

Segundo o Acórdão da Apelação Cível nº 0808469-81.2020.4.05.8000, do TRF-5, não se aplica a esse tipo de demanda a tese fixada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento do Recurso Extraordinário nº 631.240/MG, pois esse precedente é relativo à concessão de benefícios previdenciários, e não de direito à isenção tributária. Não é obrigatório, então, segundo Sua Excelência, o Desembargador Federal Roberto Machado, o requerimento administrativo prévio. Essa mesma conclusão também consta no já citado Acórdão do TRF-4 no Processo nº 5062610-57.2016.4.04.7000/PR e em precedentes importantes da 1ª Seção do STJ, nos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 868.778/SP; e Recurso Especial nº 1.121.023/SP. No TRF-1, merece atenção o Acórdão da Apelação Cível nº 1010195-12.2021.4.01.3400 no mesmo sentido.

Uma matéria que foi resolvida mais recentemente é a aplicabilidade da isenção aos portadores de moléstia grave que se encontram na ativa. Após alguma polêmica sobre o assunto, o STJ afetou os recursos especiais nº 1.814.919/DF e 1.836.091/PI sob o Tema Repetitivo nº 1.037 da Corte. Nesse julgamento conjunto, firmou-se a seguinte tese vinculante:

“Não se aplica a isenção do imposto de renda prevista no inciso XIV do artigo 6º da Lei n. 7.713/1988 (seja na redação da Lei nº 11.052/2004 ou nas versões anteriores) aos rendimentos de portador de moléstia grave que se encontre no exercício de atividade laboral.”

22 TRF-5, APC nº 0808469-81.2020.4.05.8000; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Des. Fed. Francisco Roberto Machado; Julgado em: 27/01/2022.

23 STJ, EREsp 868.778/SP; Órgão Julgador: 1ª Seção; Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julgado em: 28/11/2012.

24 STJ, REsp 1.121.023/SP; Órgão Julgador: 1ª Seção; Relator: Min. Mauro Campbell Marques; Julgado em: 23/06/2010.

25 TRF-1, APC nº 1010195-12.2021.4.01.3400; Órgão Julgador: 7ª Turma; Relator: José Amilcar de Queiroz Machado (Juíza Conv. Luciana Pinheiro Costa); Julgado em: 19/10/2021.

26 STJ, REsp nº 1.814.919/DF; Órgão Julgador: 1ª Seção; Relator: Min. Org Fernandes; Julgado em: 24/06/2020.

27 STJ, REsp nº 1.836.091/PI; Órgão Julgador: 1ª Seção; Relator: Min. Og Fernandes; Julgado em: 24/06/2020.

Nos termos do Voto do Relator, Ministro Og Fernandes, portanto, o texto legal “indica de forma clara, e até mesmo repetitiva, que a intenção foi isentar os proventos recebidos pelos aposentados, e não pelos trabalhadores da ativa, que em nenhum momento foram mencionados”. A demanda não se aplica, portanto, a trabalhadores da ativa e deve se restringir às aposentadorias e reformas dos inativos.

Em outra nota, uma interpretação mais favorável aos demandantes é em relação aos proventos decorrentes de previdência privada. Nesse caso, conquanto a posição do STJ não seja tão bem consolidada, pois não foi firmado precedente obrigatório, a jurisprudência dominante é no sentido de que a isenção também é aplicável ao IRPF que, de outra sorte, incidiria sobre os proventos de plano de aposentadoria privada. Bons precedentes nesse sentido são os do Recurso Especial nº 1.507.320/RS e o do Agravo em Recurso Especial nº 1.481.695/SC.

Por fim, a última questão a ser considerada no contexto desses litígios é a da prescrição e, consequentemente, do termo inicial da restituição do IRPF pago a maior. Esta, com efeito, é a mais polêmica das matérias que é reiteradamente discutida em várias das decisões citadas neste texto. Dada essa diversidade de posições sobre o assunto, ter-se-á como prevalente aquela adotada pelo STJ, ainda que, diferentemente dos demais casos, ela não tenha se irradiado pelos tribunais de instância inferior de forma quase universal.

Com efeito, na 1ª Turma do STJ, foram julgados o Recurso Especial nº 1.469.825/RS e o Recurso Especial nº 1.125.528/RS, respectivamente relatados pelos ministros Gurgel de Faria e Sérgio Kukina, com fundamentos notadamente similares. Em ambos os casos, os relatores, seguidos por unanimidade, aplicaram por analogia o artigo 198 da Lei Federal nº 10.406/2002, o Código Civil (CC/2002), sob o argumento de que é permitida a analogia por ausência de disposição expressa do CTN sobre a prescrição para os incapazes. Conclui-se, então, nos respectivos acórdãos, que o termo inicial para a repetição de indébito nos casos de alienação mental é a data do diagnóstico da moléstia grave, independentemente do período transcorrido entre esse marco e o ajuizamento da ação.

28 STJ, REsp nº 1.507.320/RS; Órgão Julgador: 2ª Turma; Relator: Min. Humberto Martins; Julgado em: 10/02/2015.

29 STJ, AgInt no REsp nº 1.481.695/SC; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relatora: Min. Regina Helena Costa; Julgado em: 23/08/2018.

30 STJ, REsp nº 1.469.825/RS; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Min. Gurgel de Faria; Julgado em: 10/04/2018.

31 STJ, REsp nº 1.125.528/RS; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Min. Sérgio Kukina; Julgado em: 05/04/2016.

Conclusão similar é adotada pela 2ª Turma, também por unanimidade, sob relatoria da Ministra Assusete Magalhães, no julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 1.156.742/SP, mesmo em um caso em que a moléstia grave é a de cardiopatia grave, e não alienação mental. Nesse caso, consigna-se, desde a ementa, o seguinte:

“Na forma da jurisprudência dominante desta Corte, o termo inicial para ser computada a isenção do imposto de renda para as pessoas portadoras de doenças graves, e, consequentemente, a restituição dos valores recolhidos a tal título, sobre proventos de aposentadoria, deve ser a partir da data em que comprovada a doença grave, ou seja, do diagnóstico médico, e não da emissão do laudo oficial”

Não obstante, não há qualquer menção à limitação da prescrição ao prazo quinquenal, previsto no artigo 168 do CTN, o que faria sentido, considerando que, para a maioria das enfermidades listadas no artigo 6º, XIV, não há incapacidade civil que, na forma da jurisprudência da 1ª Turma, interromperia a prescrição. Para esses casos, não parece haver qualquer fator de diferenciação em relação às demais repetições de indébito que têm que se submeter à limitação de reaver apenas o que pago a maior nos 5 (cinco) anos anteriores.

Essa limitação ao prazo quinquenal da repetição de indébito, ainda que mantido o termo inicial da isenção na data do diagnóstico, consta em outro precedente unânime da 1ª Turma, o do Recurso Especial nº 1.836.364/RS, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, que faz constar em seu Voto Condutor que “deve ser reconhecido o direito do contribuinte ao gozo da isenção e à repetição do indébito. A respeito deste último ponto, é importante salientar que, consoante a orientação deste Tribunal Superior, o prazo prescricional se inicia somente após a Declaração Anual de Ajuste, de modo que o termo inicial da prescrição não se confunde com a mera retenção na fonte”. No mesmo Colegiado, um precedente mais antigo, o Recurso Especial nº 963.352/PR, de relatoria do Ministro Luiz Fux, admite um prazo de 10 (dez) anos para essa restituição, ressalvado que o caso é anterior à promulgação da Lei Complementar nº 118/2005, quando ainda vigia esse entendimento mais favorável.

32 Art. 174. A ação para a cobrança do crédito tributário prescreve em cinco anos, contados da data da sua constituição definitiva.”

33 STJ, REsp nº 1.836.364;RS; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Min. Napoleão Nunes Maia Filho; Julgado em: 02/06/2020.

34 STJ, REsp nº 963.352/PR; Órgão Julgador: 1ª Turma; Relator: Min. Luiz Fux; Julgado em: 21/10/2008.

Entretanto, na maioria dos outros julgados disponíveis sobre o assunto, não há qualquer menção sobre isso, seja para limitar ao prazo quinquenal (ou decenal) ou para afastar essa restrição. Consigna-se apenas que o termo inicial coincide com a comprovação do diagnóstico, pelo que fica em suspenso a existência de algum entendimento majoritário sobre o assunto. Nota-se, desta feita, que, diferentemente da maioria dos assuntos abordados, a prescrição da repetição de indébito tributário não é uma matéria tão bem resolvida nesse tipo de ação. Sobre ela, alguns aspectos são bem estabelecidos na jurisprudência, outros nem tanto.

Como última nota, merece menção também o fato de que tramita no Congresso Nacional o Projeto de Lei do Senado nº 61/2017, de autoria do então Senador Ronaldo Caiado (UNIÃO/GO), que inclui expressamente “mal de Alzheimer” no rol do artigo 6º, inciso XIV, da Lei Federal nº 7.713/1988. Essa medida legislativa contribuiria, então, para pacificar definitivamente o assunto.

É este, portanto, o estado atual da disputa que compreende tantos processos judiciais entre fazendas públicas e os contribuintes que sofrem da Doença de Alzheimer. Este artigo é pretendido, então, como uma contribuição ao debate e, principalmente, à conquista desse importante direito para efetivar a dignidade desses pacientes, já tão afetados por suas condições adversas de saúde.

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